Nos dias 23 e 24 de março de 2022, o Instituto Paul Singer realizou o ciclo de debates virtuais 90 Anos de Paul Singer: a atualidade de seu pensamento, para celebrar os 90 anos que este economista completaria e para marcar o lançamento público do instituto com seu nome.
Os debates foram organizados de acordo como a concepção do instituto de promover diálogos entre intelectuais, gestores políticos e lideranças de movimentos sociais.
Dia 23 de março – mesa 1
A primeira mesa “Paul Singer e o mundo do trabalho” foi composta por Leny Sato (Professora titular do Instituto de Psicologia da USP e Conselheira do Instituto), Maria Mônica da Silva (Coordenadora estadual do Movimento Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis – MNCR) e mediada por Egeu Esteves (Professor da Unifesp e articulador do Instituto).
Egeu Esteves introduziu o tema destacando sua atualidade e urgência, ainda mais numa sociedade, como a brasileira, que nunca foi plenamente assalariada e, sem atingir tal plenitude, vive a retiradas de direitos trabalhistas conquistados.
Destaca-se da fala de Mônica Silva que o trabalho de catadores de materiais recicláveis é uma luta socioambiental ao revelar a importância da reciclagem e as ações contra projetos de incineradoras e outras iniciativas extremamente poluidoras. “Não temos um planeta reserva”, observa ela. É difícil viver da economia solidária e, por isso, são necessárias as políticas promovidas pela Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária), tanto de fomento quanto de formação, ao demonstrar que a organização dos catadores é economia solidária, apontou Mônica Silva.
Segundo Leny Sato, Singer sempre estudou e manifestou a preocupação com o desemprego e com a garantia dos direitos sociais e trabalhistas. As saídas associativas ao desemprego são contrárias às ideologias da empregabilidade, que responsabilizam exclusivamente o indivíduo pela sua condição. A noção de “trabalho informal” foi criada pelos países industrializados sobre os países da África, que apresentam outras formas de organizar o trabalho e a produção, explicou ela.
Para Esteves, Singer apresenta um pensamento próprio sobre o trabalho e a informalidade, parte de um contexto de autores que buscavam entender a América Latina por meio de categorias não colonizadas de análise.
Recomendação ao Instituto
Depreende-se das colocações do debate que o Instituto Paul Singer pode ser o lugar para se pensar e se propor políticas públicas de garantia de direitos às diferentes formas de trabalho associado.
Você pode assistir o debate completo no nosso canal no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=tyGS8H3l-m0&t=14s
Dia 23 de março – mesa 2
A segunda mesa do dia 23, intitulada “Paul Singer: os desafios da democracia, as políticas e os governos”, foi composta por Sonia Kruppa (Professora da Faculdade de Educação da USP e conselheira do Instituto), Alex Barcellos (covereador da Mandata Quilombo Periférico e parceiro do Instituto) e com a mediação de Marcos Barreto (Economista e articulador do Instituto).
Como ponto de partida, Marcos Barreto colocou que Paul Singer acreditava e defendia a radicalização da democracia.
Sonia Kruppa realizou uma exposição sobre a forma de Singer trabalhar na gestão pública e colocou a seguinte pergunta: como a concepção dele sobre gestão pública que foi aplicada na Senaes pode ajudar a guiar o Instituto? O Instituto é para nós uma utopia e deve andar junta a Utopia (onde se sonha chegar) e a militância (a ação prática e cotidiana que nos conduz para a utopia), ponderou. Dialogando com textos escritos por Singer de avaliação do trabalho da Senaes, Kruppa, mais uma vez, se pergunta sobre qual é o nosso projeto, a nossa proposta e a nossa utopia, no Instituto. A proposta da Senaes foi importante por ter dois departamentos: formação e fomento. Os dois departamentos devem trabalhar juntos para a construção da contra-hegemonia. Assim, fortalecer os empreendimentos de economia solidária e a base da sociedade, pela formação. Pelo organograma da Senaes, está presente o constante diálogo entre sociedade e estado, destacou ela.
Da fala inicial de Alex Barcellos, destaca-se que as experiências de economia solidária têm um solo fértil nas periferias e que as pessoas das periferias não são pobres, são empobrecidas. Então, quando a moeda social passa a circular, as pessoas veem o dinheiro ali e o poder que o território periférico tem.
Barreto colocou as seguintes perguntas: Ensina-se democracia na escola? É verdade que a juventude não se interessa por política? Kruppa observa que democracia é forma e conteúdo. Ensina-se democracia praticando-a, enfatizou ela. Para Barcellos, as juventudes periféricas estão sendo exterminadas pelas polícias e é isto é um absurdo. O jovem, assim, muitas vezes se afasta da política. O trabalho para se aproximar do jovem nas periferias é levar o livro antes do fusil. É possível atrair a juventude pelo mundo da cultura – poesia, música etc., explicou ele.
Ao final, Barreto pediu para comentarem o que seria o socialismo hoje. Para Kruppa, é a superação do atual individualismo exacerbado. Além disso, devemos preservar as condições de vida no nosso planeta. O socialismo tem de começar já. O conhecimento também precisa mudar: ser interdisciplinar e voltado aos grandes problemas, destacou ela. Barcellos acrescentou que perdemos o olhar dos povos originários, ancestrais; precisamos ter espaço para estes saberes e suas religiosidades.
Você pode assistir o debate completo no nosso canal do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=kFjWglIhmO0&t=3s
Dia 24 de março – mesa 1
No dia 24 de março, a primeira mesa chamada “Paul Singer: socialismo democrático e crise socioambiental” contou com Michael Löwy (Diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica – CNRS, Paris, e conselheiro do Instituto), Rosana Fernandes (Coordenadora da Escola Nacional Florestan Fernandes ENFF, do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra – MST) e com a mediação de Marcelo Justo (Direção do Instituto)
Marcelo Justo começou apontando as ideias principais de Singer sobre o socialismo democrático e destacou o desafio da democracia exposto no livro Uma Utopia Militante (publicado em 1998, pela editora Vozes): ou a democracia destrói a lógica do capital ou será destruído por ela.
Para Rosana Fernandes, a luta por direitos e o socialismo democrático são a luta do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Dentre suas observações, disse que em Uma Utopia Militante, Singer trata da revolução social e que, no momento atual, precisamos da reconquista do poder, mas independentemente de quem estiver no governo, é necessária a mudança das consciências, a mudança pela sociedade.
Segundo Michael Löwy, a ideia de Paul Singer de que há uma contradição fundamental entre capitalismo e democracia é fundamental. O socialismo tem de ser democrático; as experiências do dito socialismo real são caricaturais, pontuou Löwy. A economia solidária é um processo econômico e social de criar laços de solidariedade; também é político, no sentido de combate ao capitalismo; e, tem uma dimensão cultural, uma outra cultura que é solidária e contrária ao capitalismo. Ou seja, é parte de um processo geral de transformação revolucionária da sociedade; é parte de um processo mais global.
Justo colocou uma questão sobre os implantes socialistas e a formação para a autogestão. Foram destacadas por Fernandes as iniciativas do MST; as ocupações de terras são escolas permanente de socialismo. Novas propostas são realizadas, como o plano de plantio de 1 milhão de árvores, pois a mudança climática deve ser enfrentada. A ENFF (Escola Nacional Florestan Fernandes) é uma escola da classe trabalhadora para o mundo, pois existe atualmente a articulação internacional dos povos; a ENFF é a escola mãe para outros continentes. Ela é um ambiente socialista, de praticar aquilo que o MST acredita. Para Michael Löwy, a crise socioambiental é uma ameaça sem precedentes na nossa História. A luta deve ser contra o capitalismo e, por isso, ser ecossocialista. O Singer se dava conta do problema ambiental, por exemplo, no livro Introdução à Economia Solidária (de Paul Singer, publicado em 2002 pela Editora da Fundação Perseu Abramo). Ainda segundo Löwy, o Zapatismo, de Chiapas no México, e o caso de Rojava, território curdo no norte da Síria, são exemplos atuais de implantes socialistas baseados na autogestão. A autogestão deve ser exercida, como em assembleias. A educação para a autogestão tem uma dimensão de autoeducação, na prática da luta; as lutas são escolas.
Perguntado sobre quem são os atuais protagonistas do socialismo democrático e das saídas para a crise socioambiental, Löwy teceu os seguintes comentários. São as classes subalternas, num sentido amplo. Não dá para pensar socialismo, autogestão, economia solidária, sem colocar a questão ambiental. São os indígenas que estão na primeira linha dessas lutas, em vários lugares do mundo. A dialética entre as tradições camponesas e indígenas e o futuro de respeito à natureza é a resposta. Por fim, ele ressaltou a complementariedade entre economia solidária e o processo mais amplo de planificação ecológica, descentralizada e socialista. O ecossocialismo teria a economia solidária no campo e na cidade, a agroecologia na produção de alimentos e a planificação democrática e descentralizada.
Você pode assistir o debate completo no nosso canal do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=9Jm46L0l03Q
Dia 24 de março – mesa 2
A segunda mesa do dia, “Paul Singer e a Economia solidária”, teve a presença de Nelsa Nespolo (Criadora da Central Cooperativa Justa Trama e conselheira do Instituto), de Heloisa Primavera (Coordenadora da RedLases – Rede Latino-Americana de Socioeconomia Solidária e conselheira do Instituto) e a mediação de Roberto Marinho Silva (Professor da UFRN e articulador do Instituto).
Roberto Silva introduziu o tema colocando a pergunta sobre o que é a economia solidária e problematizando se ela é passível de ser uma alternativa contra-hegemônica ao capitalismo.
Heloisa Primavera começou sua apresentação falando de conversas com Singer, de artigo que escreveram juntos sobre os clubes de trocas e as moedas sociais e sobre livros e autores que compartilharam. Depois apresentou a experiência “Compartilhando boas práticas no Abya Yala: maio de 2020 a abril de 2022”, que mostra as moedas sociais: Par, da Argentina, Muyu, do Equador, Sol, do Uruguai, Pétalo, do Chile e Luna, da Colômbia. Colocou a pergunta de como estabelecer pontes. Uma nova sociedade é possível dentro e em oposição à velha; as pessoas se transformam em contato uma com a outra. As moedas sociais no Abya Yala se contrapõem ao fetiche do dinheiro; uma outra economia possível que circula pelo mundo em milhares de experiências. Nos encontros dos grupos de moedas sociais leva-se em conta como as pessoas se sentem e elas, geralmente, saem das reuniões com uma boa dose de otimismo e esperança.
Nelsa Nespolo mostrou seu carinho pelo Singer. Destaca-se de sua exposição que a economia solidária é uma utopia e é realidade; ela não é fácil e é realizada no dia a dia. Segundo ela, a mudança é possível sim; temos a rede de bancos comunitários, com um forte significado nos territórios por desmistificar a moeda e o dinheiro; e, há o caso da cadeia do algodão agroecológico em que a Justa Trama pratica, hoje, o melhor preço para o algodão em relação a todos que trabalham com agroecologia.
Nespolo enfatizou que a economia solidária depende de políticas públicas porque a fazem avançar. Por exemplo, trabalhadores que precisam de uma prensa que custa 70 mil reais, demoram muito para conseguir esta quantia e com o fomento público podem comprar mais rápido.
Por fim, Roberto Silva destacou que temos neste debate bom subsídio para as discussões da próxima plenária nacional de economia solidária. Sem a utopia não se caminha, mas tem de ser militante. A economia solidária pode ser uma estratégia de desenvolvimento, destacou ele.
Você pode assistir o debate completo no nosso canal do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=AQ3oi81wgAc
Programação completa
Dia 23 de março (quarta-feira)
Apresentação do Instituto – Helena Singer (Presidente do conselho consultivo do Instituto) e Marcelo Justo (Direção executiva do Instituto) [14:00H – 14:10H]
1a) Paul Singer e o mundo do trabalho [14:10H – 15:30H]
2a) Paul Singer: os desafios da democracia, as políticas e os governos [16:30H -18:00H.]
Dia 24 de março (quinta-feira)
Apresentação do Instituto [14:00H – 14:10H]

1a) Paul Singer: socialismo democrático e crise socioambiental [14:10H – 15:30H]
2a) Paul Singer e a Economia solidária [16:30 -18:00H.]
5 Comentários
Nada mais justo e adequado. Parabéns aos organizadores.
Quando Paulo escreveu um ensaio como prefácio do meu livro “Origens do nacionalismo judaico” exibiu várias de suas facetas que aprendemos a admirar: profundidade, criatividade e preocupação com a clareza. Quando criei a Editora Contexto levei para lá alguns dos seus livros, que marcaram época. Quando a historiadora Carla Bassanezi Pinsky pesquisava o movimento juvenil judaico de esquerda Dror, do qual Paulo tinha sido membro, ele fez questão de ajudá-la com documentos e contatos, como de resto fazia com todos que o procuravam com um projeto de trabalho intelectual.
Além de tudo, era uma pessoa honesta, limpa, transparente. Conheci poucas pessoas assim na minha vida.
E que dupla fantástica fazia com Melanie!
Todxs que conviveram com Paul Singer agradecemos pela criação do Instituto! Vale lembrar a formação de eletrotécnico de Singer, que nos evoca uma forte correlação entre mudança (sócio)técnica e as dimensões estratégicas da economia Solidária. Esperamos com pesquisadores e gestores da área de Estudos CTS que a presença de Singer seja lembrada também neste campo das correlações acima.
Mais uma vez, parabéns pelo IPS e pela programação!
Evento da melhor qualidade.
Evento da melhor qualidade.
Estou ansiosa para assistir esse debate tão importante nessa conjuntura atual!